Pixação
- Toalá Carolina
- 16 de mar. de 2019
- 2 min de leitura

Aos 11 anos morando em uma casa estranha na Zona Norte de São Paulo com minha mãe e irmã (a irmã caçula ainda estava na barriga da minha mãe, me deparei com uma das cenas que vieram me assombrar por décadas.
Ao abrir a janela do quarto da minha mãe que dava de frente para um muro enorme, li a frase: " Toalá Cramunhão". Imediatamente em um único e desesperado ato, fechei a janela como se eu pudesse, por mágica, acordar de um pesadelo.
Comecei a suar, me deu dor de barriga, chorei.
A vergonha era tamanha que eu não conseguia me mover. Paralisei por um momento. Sou assim, em meio a um choque costumo a me calar momentaneamente e dormir. Porém acordo sempre disposta e decidida a seguir. Sempre.
Neste dia não foi diferente.
Corri para o outro lado da casa e alcancei minha cama. Minha irmã dormia na cama ao lado inocentemente. Invejei aquela paz.
Minha irmã sempre foi uma menina bonita naturalmente e talvez ali eu tenha observado o que é dormir em paz.
Desci as escadas do estreito sobrado de pé direito baixo e tive a sensação de estar em outra realidade. Uma realidade paralela, pois tudo parecia nublado como se uma cortina de fumaça estivesse embaçando minha visão. E já não era a densa fumaça do cigarro Carlton da mamãe. Era eu. Era o que eu não queria ver. Fui até a cozinha peguei um balde e encheu com água e sabão em pó. Tomei uma bucha que estava na pia e marchei corajosamente até o portão.
Do portão à rua. Da rua ao muro.
Comecei a esfregar a frase a começar pelo meu nome a ponto de sair a pele dos dedos. Não doía. Nada dói mais que a dor interna. Por mais força que eu fizesse a tinta não saia, não clareava.
As pessoas começaram a parar para olhar a cena, adultos e crianças, porém ninguém me ajudou. Talvez não por maldade, mas por entenderem que o esforço ali seria em vão. Alguém me disse que eu estava me expondo, mas já aos 11 anos eu conseguia organizar um pensamento eloquente, mesmo sendo criança ainda, pois meu pai havia me deixado a maior herança que alguém pode receber: inteligência. Respondi que eu já tinha sido exposta sem minha escolha.
Cansei, sucumbi mentalmente e fisicamente e de verdade nem sei quanto tempo fiquei ali. Não chorei mais. Entendi que não podemos apagar o que falam de nós. Algumas tintas não saem sem uma demão de outra tinta mais forte. Porém o que foi escrito continuará gravado em alguma camada.
Com o passar dos meses, a chuva foi amenizando o preto da pixação e com isso, eu cresci.
Toalá Carolina
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